A Crise do café brasileiro entre queda no consumo interno e exportações em turbulência
- JP Agenda
- 23 de mai.
- 3 min de leitura
Queda de 15,9% no consumo nacional contrasta com receita recorde nas exportações; especialistas alertam para riscos de longo prazo no setor

Os dados divulgados pela Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) e pelo Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) revelam um cenário contraditório e preocupante para o setor cafeeiro no país. Enquanto o consumo interno despenca devido ao aumento estratosférico dos preços, as exportações apresentam uma dualidade: queda no volume, mas aumento recorde na receita devido à valorização do produto no mercado internacional. Essa situação expõe fragilidades estruturais e desafios que vão além dos fatores climáticos e da demanda global.
1. O Colapso do Consumo Interno: Preços Proibitivos e Exclusão Social
A queda de 5,13% nas vendas no varejo no quadrimestre de 2025 em relação a 2024, com um tombo de 15,96% apenas em abril, é alarmante. O principal motivo, como apontado pela Abic, é o aumento de 80% no preço do café no mesmo período. Se por um lado esse cenário reflete questões globais (como eventos climáticos e maior demanda internacional, especialmente da China), por outro, evidencia a vulnerabilidade do consumidor brasileiro frente à inflação de produtos básicos.
O café, historicamente acessível e parte essencial da cultura nacional, está se tornando um artigo de luxo para uma parcela significativa da população. A inflação dos alimentos no Brasil já vinha pressionando o orçamento das famílias, e o café agora se soma a essa lista de itens com preços extorsivos. Se o governo e o setor privado não agirem para proteger o mercado interno, o risco é de que o brasileiro médio seja excluído do consumo de um produto que é símbolo nacional.
2. Exportações: Volume em Queda, mas Lucros em Alta – Um Cenário Insustentável?
As exportações de café em março de 2025 apresentam uma contradição: queda de 24,9% no volume, mas aumento de 41,8% na receita, graças a um salto de 88,77% no preço médio por saca. Isso demonstra que o Brasil está lucrando mais com menos produção, o que, em tese, seria positivo. No entanto, essa dinâmica esconde problemas estruturais:
Dependência excessiva do café arábica (85,6% das exportações), cuja produção é mais sensível a crises climáticas.
Queda brutal nas vendas de café robusta/conilon (-83,93%), o que indica graves problemas na oferta ou perda de competitividade.
Concentração em mercados tradicionais (EUA, Alemanha, Bélgica), com pouco avanço em novas fronteiras, apesar da entrada da China.
O aumento nas exportações de cafés diferenciados (+31% em volume e +134,3% em receita) mostra que o nicho de alta qualidade e sustentabilidade está em ascensão. No entanto, esse segmento ainda representa uma fração pequena do total, incapaz de compensar a queda geral.
3. Falta de Estratégia para o Mercado Interno
Enquanto o café brasileiro se valoriza no exterior, o consumidor local é penalizado. O governo e a indústria parecem mais preocupados em maximizar divisas do que em garantir o abastecimento interno a preços justos. Não há políticas eficazes de estoques reguladores ou subsídios para manter o café acessível, o que pode levar a um descasamento perigoso: o Brasil, maior produtor mundial, pode se tornar um país onde o café é artigo de luxo.
Café: entre a ganância imediata e o risco de longo prazo
O momento atual é de lucratividade para exportadores, mas de crise para o mercado interno. Se o país não equilibrar essa equação, corre o risco de:
Perder espaço no mercado externo caso a produção não se recupere (especialmente do robusta).
Alienar seu próprio consumidor, transformando o café em um produto inacessível.
É urgente que o setor e o governo desenvolvam estratégias para:
Aumentar a produtividade e resistência climática das lavouras.
Criar mecanismos de proteção ao consumo interno, como subsídios ou controle de preços.
Diversificar os mercados de exportação, reduzindo a dependência de poucos compradores.
O café é um patrimônio brasileiro, mas, sem planejamento, pode se tornar mais um exemplo de como o país privilegia o lucro imediato em detrimento da sustentabilidade econômica e social.
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